Wednesday, April 19, 2017

“Todo dia é dia de índio” e o capitalismo nosso de cada dia



Primeiramente, fora Temer!

A questão indígena no Brasil, assunto que eu sei muito pouco, traz um ponto muito exato do problema ambiental do Brasil de hoje. Antes de mais nada, devo dizer que não defendo o povo indígena a partir de uma visão romantizada, mas numa perspectiva mais geral, racional e ética. Não cabe alguém me falar: “ah, você pensa que índio é tudo bonzinho?”, pois não é o que interessa aqui. O que trato é sobre os direitos que esse povo tem às suas terras e o papel ambiental da presença desses povos na preservação da riqueza natural e cultural que o Brasil tem, fonte da ciência, fundamental para o clima e para a saúde de todo o mundo.

Nós brasileiros vivemos no pulmão e, talvez, no coração do planeta. Temos uma biodiversidade imensa e complexa, as sabedorias e os segredos da vida estão presentes de forma abundante na natureza do nosso país. Os povos indígenas são a referência de saberes ancestrais de sobrevivência sustentável, vivem junto aos rios, nascentes e florestas densas desde milhares de anos.

O genocídio e constante ameaça que esses povos vivem partem dos interesses da pecuária de larga escala, da mineração, das grandes obras desenvolvimentistas, do agronegócio, das grandes monoculturas de soja, milho transgênicos e etc. A grande força desses mercados se dá devido à posição do Brasil na estrutura internacional do capital: exporta commodities (palavra do inglês, plural de commodity, que significa mercadoria), ou seja, matérias primas como soja, milho, carne bovina, café, etc. São produtos com pouco valor agregado, bens que não sofreram processos de alteração. 


A gente continua repetindo o mesmo padrão colonial, mas num rearranjo moderno: exportamos matérias primas e compramos de fora os produtos manufaturados - “coexistência do antigo regime dentro do novo” (FERNANDES, 1973, p. 52). Além disso, as estruturas e dinamismos políticos e econômicos praticados no Brasil, constantemente, nos colocam em posição de submissão às economias centrais, a crescente financeirização da economia abre ainda mais espaço para gerar dependência e subdesenvolvimento: padrão dual de acumulação originária de capital (enriquecimento de agentes internos e externos que exploram o trabalho dos países subdesenvolvidos) e o modelo de apropriação repartida do excedente econômico nacional (a produção da riqueza é dividida entre a elite nacional e os “investidores” das economias internacionais).

Isso acontece no Brasil e na América Latina graças ao modelo colonial de exploração que marca o processo histórico de constituição desses países que, mesmo depois de "independentes", ou emancipados politicamente, continuam reproduzindo o mesmo padrão de submissão às grandes economias, esse padrão de dependência vai se reconfigurando com as sucessivas crises que caracterizam o capitalismo. Essa espécie de repetição acontece porque há uma elite que  garante essa abertura ao capital internacional, ou seja, o poder vem sendo passado por mãos que trabalham para conservar os próprios privilégios e que constituem uma classe de poucos que concentram as grandes riquezas. 

Esse “grupo” garante alianças com outros grupos ainda mais poderosos de nações desenvolvidas, como a Inglaterra e os Estados Unidos. No Brasil vemos isso acontecendo de diversas formas, uma delas são as privatizações das instituições estatais e nacionais, as concessões para o capital estrangeiro explorar nossos recursos naturais (como a exploração de petróleo e minerais, por exemplo).

O povo brasileiro possui em sua História a invasão, a violência e a expropriação, ao mesmo tempo, carrega o mito da brasilidade como formação do imaginário do povo sobre si mesmo: cordialidade, hospitalidade, sensualidade, alegria, calor humano. Essas características, apesar de positivas, escondem cicatrizes de nossa história de opressão e dominação que moldou um povo para obedecer e aceitar. Um povo altamente afetivo, mas pouco racional para se apropriar do seu país e ser sujeito de sua História. 

Cumpre lembrar hoje, nesse dia 19 de abril,“dia do índio”, que a sensual mestiçagem brasileira e a exuberância de nossa natureza e dos povos indígenas, deve nos remeter à profunda situação de submissão e exploração que iniciou a História do Brasil e se perpetua cada dia mais voraz com a força do capital, da mercantilização do trabalho, com a objetificação das pessoas e da natureza. O padrão de relação da dominação e exploração. Imagine quantas mulheres indígenas e pretas foram exploradas, estupradas, violentadas, quantas vidas foram geradas assim, por meio da força e do sofrimento.

Quando o Brasil tomar coragem, reconhecer a sua própria História, a luta do povo, e assumir as rédeas de sua soberania, irá impor o esplendor de suas riquezas e vai mostrar ao mundo o que é realmente que tem valor: a água limpa, a terra fértil, a floresta intocada, os biomas preservados, a biodiversidade, a produção de alimentos livres de agrotóxicos e transgênicos, etc. 

Toda luta que se assume hoje pelos direitos dos indígenas, das mulheres, da natureza, etc. é, antes de tudo, uma luta contra o capitalismo.

[...] as estruturas do capitalismo dependente estão preparadas para organizar a partir de dentro as “condições ótimas” da sobre-apropriação repartida do excedente econômico, sociocultural e político das sociedades hegemônicas preponderantes. A continuidade e a constante renovação dos vínculos de renovação dos vínculos de subordinação ao exterior e da satelitização dos dinamismos econômicos,socioculturais e políticos não se impõem colonialmente, mas graças a uma modalidade altamente complexa de articulação (parcialmente espontânea, parcialmente programada, orientada e controlada) entre economias, sociedades e culturas com desenvolvimento desigual, embora pertencentes à mesma civilização. As duas faces dessa modalidade de articulação são o “imperialismo econômico” e o “capitalismo dependente” (FERNANDES, 1973, p. 59).

Referências:
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.


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