Saturday, May 12, 2018

Mães: fontes inesgotáveis?



Não sou mãe, só sou filha, virei mulher e me atirei, me soltei de minha casa para aprender mais sobre o mundo e espalhar por ele as sementes que minha família plantou em mim. Sete anos que passaram e, de certa forma, eu continuo viajando, mudando de cidade ou de casa dentro da mesma cidade, fiz amigos, dividi casa com diversas pessoas, fiquei, namorei, separei... No meio desses caminhos e descaminhos percebi uma sensação, um sentimento que tem a ver com ser mãe, ou melhor, diz respeito à forma com que vemos as nossas mães.

Percebo que algumas pessoas veem a mãe como uma fonte inesgotável de amor, atenção, serviço, prontidão, dedicação, dinheiro, comida, lençóis limpos e cheirosos, etc. A questão principal que quero tratar aqui é essa ideia de fonte inesgotável. Partir dessa premissa é um erro grave, pois é bem possível que, pensando assim, estejamos, na verdade, explorando as nossas mães.

Durante toda a minha caminhada venho observando e pensando sobre isso, vejo o comportamento de diversas pessoas diante de suas mães e também reflito muito sobre minhas atitudes perante a minha mãe. Eu lembro do tempo em que eu não a compreendia, meu corpo jovem cheio de energia não podia perceber que o corpo exausto de minha mãe tinha limites e que mesmo assim, sem tanta disponibilidade para um carinho, descarregando suas tensões diante de mim, ela era a fonte mais perfumada e macia de amor.

São infinitas as minhas recordações de minha mãe trabalhando: ela costurou tantas e tantas roupas que vestiram a mim, minha irmã, minha mãe, minhas tias e suas tantas clientes que passavam por lá. Era estranho sentir minha mãe medindo as roupas em mim, espetando alfinetes, puxando e repuxando o tecido, dizendo pra eu ficar direito. Eu queria beijos e abraços, que ela fosse sempre fonte perfumada e macia de amor e delícias, mas minha mãe era muito mais que isso: ela era uma mulher corajosa, disposta, trabalhadora, caprichosa e não porque quisesse ou soubesse, mas porque era necessário arregaçar as mangas a cada dia para aliviar a pressão das contas a vencer, os juros do empréstimo do banco, as mensalidades escolares, o cartão de crédito que acumula parcelas das compras que foram necessárias, etc.

Minha mãe fez tudo isso para nada me faltar, para que eu tivesse condições de estudar para que, um dia, eu não tivesse que ser o que ela foi e o que ela não quer para mim. Ela nunca quis me ensinar a costurar, apesar de eu ter pedido mil vezes, de na nossa casa ter máquinas, linhas, tecidos, etc. Modéstia parte, eu costuro muito bem à mão. Minha mãe fez tudo isso todos os dias, durante anos, para que eu pudesse escolher o que eu queria ser. Para que as determinações em minha volta não fossem aprisionadoras e sim libertadoras.

Ela cansou de costurar, fez vários cursos e se tornou cabeleireira, combina muito mais com ela e vejo que ela é muito mais feliz nessa profissão, mas ainda vejo a mesma batalha pela sobrevivência, a mesma insistência de complementar a renda da família e fazer toda a diferença em nossas vidas. Vejo o corpo dela expressar o esforço repetitivo do secador de cabelo, o puxar da escova, as horas e horas em pé para lavar, cortar, hidratar, escovar os cabelos das clientes.

Eu gostaria de ver minha mãe trabalhar um pouco menos, se cuidar mais e ter paz, tranquilidade em relação às contas para pagar. É um sonho nosso. Eu sei. Sei também que ela é a mãe que eu tinha que ter, para eu ser quem eu sou, numa equação da vida que, quando percebi, ganhei leveza, amor e enorme gratidão. Aceitar e acolher a própria mãe é aceitar e acolher a si mesmo. Elas são nosso ponto de partida e portanto, também, nossa chegada, pois a vida é cíclica e o movimento é espiral.
Na vida as oportunidades vão e vêm, às vezes, são tão sutis que não percebemos. Os mimos que podemos fazer por nossas mães estão no cotidiano, principalmente quando nossos gestos podem aliviar a barra que elas carregam, seja de eu tipo for, financeira, emocional, física, cultural, enfim... Seja qual for a pressão, o vazio ou o excesso que lhe tire a paz ou a alegria de viver.

Nenhuma mãe é fonte inesgotável, essa premissa tem que desaparecer dos nossos inconscientes, para que a gente possa reconhecer nossas mães, do jeito que elas são, com seus defeitos, históricos, aceitar seus limites. Nenhuma mulher é fonte inesgotável, pois, apesar de eu não ser mãe, muitas vezes senti pessoas que se aproximaram de mim e me julgaram fortes, passaram da conta daquilo que eu podia dar ou aguentar, pois também, algumas pessoas, por me verem aparentemente forte, me machucam. Aos poucos também venho aprendendo sobre os meus limites.

Acho, na verdade, que minha mãe deveria ter sido educadora, pois as crianças se derretem por ela e ela pelas crianças. Ela se chama Silvia Helena e carrega consigo a beleza e a grandeza do seu nome, ela é resplandecente, tem a beleza da natureza e a bravura de uma tocha, um raio de Sol.


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