Ter um tempo para brincar livremente na natureza contribui para um desenvolvimento saudável
Este artigo foi publicado no site Personare em 03 de maio de 2019.
Muitos pais, mães e familiares têm o ímpeto de projetar nas
crianças seus desejos, expectativas e as necessidades do mercado. Criam
horários e compromissos como aulas de idiomas, esportes, reforço escolar,
xadrez entre outros; e buscam escolas focadas no vestibular e na competição,
tornando tudo isso uma disputa consigo mesmo e com os outros, um anseio para
suprir expectativas alheias e pressões externas, provenientes do sistema
econômico.
Idiomas, vestibular e
esportes são importantes, mas educação não é só isso. Todo aprendizado deve ser
significativo em relação à vida e ao desenvolvimento humano saudável.
Quando descartamos os
elementos sensíveis, emocionais, fisiológicos e espirituais da educação, na
verdade, prejudicamos a criança e o seu processo de aprendizagem e
desenvolvimento. Assim, estamos imprimindo nossos sentimentos e expectativas
nelas, impedindo que sintam e pensem por si mesmas.
Estamos fazendo por
elas, falando por elas e tirando o espaço para que vivam as próprias
experiências. No meio disso tudo, será que estamos ouvindo as crianças,
respeitando suas formas de ser e viver o tempo e o espaço?
Ensinar e
contemplar
O processo de educar uma
criança envolve a constante interação de duas atitudes: ensinar e deixar a
criança ser o que é por ela mesma, livremente. Saber discernir como atuar a
partir dessas atitudes é um passo fundamental para respeitar o desenvolvimento
natural da criança. Saber em quais momentos é importante oferecer apoio e
orientação e quando basta silenciar e observar. Deixar a criança à vontade para
aprender por si.
Essas sutilezas são
fundamentais para o desenvolvimento integral da criança, que abrange não apenas
o intelecto, mas também o corpo, a sensibilidade e a criatividade.
Trata-se da valiosa habilidade de saber o momento certo de ouvir
e de falar. Na ação de educar, é preciso compreender esse movimento de forma
consciente e atuar para que haja, de fato, diálogo e comunicação em nossas
relações.
Assim, no processo
educativo, o adulto deve estar atento e consciente para manejar a atitude ativa (propor
e ensinar) e a postura
contemplativa de silenciar,
ouvir, observar, praticar a escuta sensível e, assim, aprender com a criança,
perceber seus gestos, sua forma e tempo de aprendizado, compreender e respeitar
o seu jeito de ser, sua forma de aprender e seus interesses.
O ser da criança: liberdade para ser o que é
Historicamente, as
sociedades não levaram as crianças muito a sério, são recentes as ideias que as
consideram sujeitos culturais ativos. Por mais que saibamos respeitar ao máximo
as crianças, que estudemos e lutemos por seus direitos, pela preservação da infância,
pela autonomia e liberdade de ser o que ela é, muitas vezes, projetamos nossas
expectativas, preconceitos, preocupações e medos. Atropelamos os processos
naturais de desenvolvimento, as oportunidades que elas têm de aprender ou
descobrir algo por elas mesmas, de gerar suas perguntas e buscar por respostas.
Na maioria dos casos,
fazemos isso inconscientemente e com as melhores das intenções, porém, é
costumeiro mentir para as crianças, rir das coisas sérias que elas falam ou
fazem, obrigá-las a fazer o que não querem, oprimir ou desdenhar de suas
expressões, seus sentimentos, suas criações, descobertas e curiosidades.
O processo educativo não
pode ser visto como um produto, mercadoria ou um conjunto de pontos para subir
nas camadas sociais.
A educação é a construção do sujeito, do conhecimento, da
cultura, do desenvolvimento do ser individual e coletivo. É um processo cheio
de significados, de sentimentos e, sobretudo, de relações.
Desconsiderar esse
caráter sensível e afetivo do processo educacional e querer reduzir seus
efeitos apenas à competição de mercado é desconsiderar os fenômenos orgânicos e
emocionais que se dão nos processos de aprendizagem e no conjunto das relações
de uma família ou de uma comunidade educativa.
Educação
para quê?
De fato é muito
importante que a educação nos prepare para o mundo do trabalho e para o sucesso
profissional. No entanto, isso não se resume em estudar nas melhores
universidades, mas também de viver um percurso educativo onde as dimensões
sociais, emocionais, corporais, políticas, artísticas, ecológicas também são
trabalhadas, pois a assimilação e a construção do conhecimento dependem de um
desenvolvimento integral.
Isso deve ser observado
em todas as etapas do percurso educacional, porém, a Educação Infantil é o campo
privilegiado dessas experiências, das quais a infância deve ser repleta.
As crianças passam boa
parte de suas vidas em ambientes educacionais, portanto, é importante que esses
espaços proporcionem experiências típicas de uma infância verdadeira como brincadeira
livre, contato com a natureza, amor, carinho, afeto, cuidado, apoio e
liberdade. Pisar na poça d’água, brincar com a terra e com os diversos
elementos da natureza, estar sob as árvores e observar os pássaros são
atividades que constituem a percepção e um repertório diverso de sensações que
constroem estruturas emocionais e intelectuais saudáveis.
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