Não sou mãe, só sou filha, virei
mulher e me atirei, me soltei de minha casa para aprender mais sobre o mundo e
espalhar por ele as sementes que minha família plantou em mim. Sete anos que
passaram e, de certa forma, eu continuo viajando, mudando de cidade ou de casa
dentro da mesma cidade, fiz amigos, dividi casa com diversas pessoas, fiquei,
namorei, separei... No meio desses caminhos e descaminhos percebi uma sensação,
um sentimento que tem a ver com ser mãe, ou melhor, diz respeito à forma com
que vemos as nossas mães.
Percebo que algumas pessoas veem
a mãe como uma fonte inesgotável de amor, atenção, serviço, prontidão,
dedicação, dinheiro, comida, lençóis limpos e cheirosos, etc. A questão principal
que quero tratar aqui é essa ideia de fonte inesgotável. Partir dessa premissa
é um erro grave, pois é bem possível que, pensando assim, estejamos, na
verdade, explorando as nossas mães.
Durante toda a minha caminhada
venho observando e pensando sobre isso, vejo o comportamento de diversas
pessoas diante de suas mães e também reflito muito sobre minhas atitudes
perante a minha mãe. Eu lembro do tempo em que eu não a compreendia, meu corpo
jovem cheio de energia não podia perceber que o corpo exausto de minha mãe
tinha limites e que mesmo assim, sem tanta disponibilidade para um carinho,
descarregando suas tensões diante de mim, ela era a fonte mais perfumada e
macia de amor.
São infinitas as minhas
recordações de minha mãe trabalhando: ela costurou tantas e tantas roupas que
vestiram a mim, minha irmã, minha mãe, minhas tias e suas tantas clientes que
passavam por lá. Era estranho sentir minha mãe medindo as roupas em mim,
espetando alfinetes, puxando e repuxando o tecido, dizendo pra eu ficar
direito. Eu queria beijos e abraços, que ela fosse sempre fonte perfumada e
macia de amor e delícias, mas minha mãe era muito mais que isso: ela era uma
mulher corajosa, disposta, trabalhadora, caprichosa e não porque quisesse ou
soubesse, mas porque era necessário arregaçar as mangas a cada dia para aliviar
a pressão das contas a vencer, os juros do empréstimo do banco, as mensalidades
escolares, o cartão de crédito que acumula parcelas das compras que foram
necessárias, etc.
Minha mãe fez tudo isso para nada
me faltar, para que eu tivesse condições de estudar para que, um dia, eu não
tivesse que ser o que ela foi e o que ela não quer para mim. Ela nunca quis me
ensinar a costurar, apesar de eu ter pedido mil vezes, de na nossa casa ter
máquinas, linhas, tecidos, etc. Modéstia parte, eu costuro muito bem à mão. Minha
mãe fez tudo isso todos os dias, durante anos, para que eu pudesse escolher o
que eu queria ser. Para que as determinações em minha volta não fossem
aprisionadoras e sim libertadoras.
Ela cansou de costurar, fez
vários cursos e se tornou cabeleireira, combina muito mais com ela e vejo que
ela é muito mais feliz nessa profissão, mas ainda vejo a mesma batalha pela
sobrevivência, a mesma insistência de complementar a renda da família e fazer
toda a diferença em nossas vidas. Vejo o corpo dela expressar o esforço
repetitivo do secador de cabelo, o puxar da escova, as horas e horas em pé para
lavar, cortar, hidratar, escovar os cabelos das clientes.
Eu gostaria de ver minha mãe
trabalhar um pouco menos, se cuidar mais e ter paz, tranquilidade em relação às
contas para pagar. É um sonho nosso. Eu sei. Sei também que ela é a mãe que eu
tinha que ter, para eu ser quem eu sou, numa equação da vida que, quando
percebi, ganhei leveza, amor e enorme gratidão. Aceitar e acolher a própria mãe
é aceitar e acolher a si mesmo. Elas são nosso ponto de partida e portanto,
também, nossa chegada, pois a vida é cíclica e o movimento é espiral.
Na vida as oportunidades vão e
vêm, às vezes, são tão sutis que não percebemos. Os mimos que podemos fazer por
nossas mães estão no cotidiano, principalmente quando nossos gestos podem
aliviar a barra que elas carregam, seja de eu tipo for, financeira, emocional,
física, cultural, enfim... Seja qual for a pressão, o vazio ou o excesso que
lhe tire a paz ou a alegria de viver.
Nenhuma mãe é fonte inesgotável,
essa premissa tem que desaparecer dos nossos inconscientes, para que a gente
possa reconhecer nossas mães, do jeito que elas são, com seus defeitos,
históricos, aceitar seus limites. Nenhuma mulher é fonte inesgotável, pois,
apesar de eu não ser mãe, muitas vezes senti pessoas que se aproximaram de mim
e me julgaram fortes, passaram da conta daquilo que eu podia dar ou aguentar,
pois também, algumas pessoas, por me verem aparentemente forte, me machucam.
Aos poucos também venho aprendendo sobre os meus limites.
Acho, na verdade, que minha mãe
deveria ter sido educadora, pois as crianças se derretem por ela e ela pelas
crianças. Ela se chama Silvia Helena e carrega consigo a beleza e a grandeza do
seu nome, ela é resplandecente, tem a beleza da natureza e a bravura de uma
tocha, um raio de Sol.
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