Le Monde Diplomatique Brasil em 20 de dezembro de 2018 e ContrahegemoniaWeb em 29 de novembro de 2018.
Comemoramos o aniversário de cinquenta anos da obra
“Pedagogia do Oprimido” do educador Paulo Freire, a qual tem grande significado
para a Educação e para a concretização da democracia não só no Brasil, mas em
qualquer outra nação, pois trata do fenômeno educativo como um processo situado
na sociedade e, portanto, como emancipação humana na História de Luta, fazendo
do ato educativo um processo de leitura do mundo, da realidade e de si mesmo.
Paulo Freire é um educador da simplicidade e da
profundidade, suas palavras nos guiam para um olhar concreto diante da
realidade e para a atitude democrática coletiva que é inerente ao fenômeno da
Educação. Esse olhar em sua obra é acompanhado de contexto social, político e
cultural, o que possibilita a percepção e a construção da consciência de
classe, conhecimento necessário para que possamos nos libertar coletivamente da
injustiça social que assola o Brasil e os demais países em desenvolvimento na
hegemonia capitalista atual. A Pedagogia do Oprimido é uma de suas obras mais
importantes e, talvez, mais prática e direta no que concerne à ação
transformadora da realidade através da práxis cultural, política e comunitária
em Educação.
Uma
das tendências das sociedades capitalistas é adulterar a Educação para que esta
seja alienadora e preparadora para a submissão diante da exploração do trabalho
e da competição do mercado. Isso gera disparidades econômicas, desigualdades
sociais extremas, junto com injustas ambientais. Gera ainda escolas de
qualidade para as classes dominantes e escolas precarizadas para as classes
trabalhadoras e, assim, reproduz a mão de obra necessária para a perpetuação da
exploração e das contradições do mundo do trabalho no contexto do capital: a
relação patrão e empregado, explorador e explorado, opressor e oprimido, ou
seja, a exploração do mais fraco pelo mais forte. Padrões desumanos que se
modificam e se ajustam ao processo histórico para a sobrevivência do capital.
Essa percepção mostra que estes padrões de relações são tão presentes em nossos
dias como foram no passado, porém, assumem novas formas e roupagens frutos do
complexo desenvolvimento das estruturas sociais ao longo da História.
Nesse
contexto social e histórico, portanto, a Educação verdadeiramente humanista e
emancipadora perpassa a Pedagogia do Oprimido, pois a libertação parte, na
verdade, do explorado e não do explorador. O ato de “leitura do mundo” no
processo educativo, leva à descoberta de si, pois é diante da totalidade que
nos conhecemos, surgem problemas e curiosidades, as quais são fundamentais para
manter acesa a chama do prazer de aprender, assim, as respostas encontradas
levam a novas perguntas, este processo investigativo é o que leva ao
aprendizado e à construção do conhecimento.
Conhecer,
portanto, a realidade leva à investigação histórica, que leva à constatação da
contradição da desumanização na História humana, ou seja, da “humanidade
roubada” (FREIRE, 2014, p. 41), a qual não é uma fatalidade ou vocação
histórica, mas uma deformação, “é distorção da vocação do ser mais” e,
portanto, é passível de transformação e de libertação. Tal concepção de fazer
educativo mostra que a desumanização não é um “destino dado, mas resultado de
uma “ordem” injusta que gera violência dos opressores” contra os oprimidos, “e
esta, o ser menos” (FREIRE, 2014, p. 41). Diante disso, o processo de
libertação é necessariamente coletivo e, por isso, a Educação é parte
fundamental da emancipação humana.
Paulo
Freire diz que a luta libertadora é um ato de amor, pois se opõe “ao desamor
contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa
generosidade” (p. 43), ou seja, na violência simbólica e na expropriação
cultural, quando a consciência do opressor se faz hospedeira nas consciências
dos oprimidos. No entanto, a libertação e superação da opressão não se dá em
termos puramente idealistas, mas pela luta e pela ação. É preciso saber contra
o que estamos lutando, portanto, Freire cunha o conceito de “educação
bancária”:
Essa
concepção “bancária” implica [...] aspectos que envolvem sua falsa visão dos
homens. [...] Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens
simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e
não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como algo espacializado
neles e não aos homens como “corpos conscientes”. A consciência como se fosse
alguma secção “dentro” dos homens, mecanicistamente compartimentada, passivamente
aberta ao mundo que irá “enchendo” de realidade. Uma consciência continente a
receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz, e que vão sendo
transformados em seus conteúdos. Como se os homens fossem uma presa do mundo e
este, um eterno caçador daqueles, que tivesse por distração “enchê-los” de
pedaços seus (FREIRE, 2014, p. 87).
A
exploração acontece muito fortemente no campo do pensamento, do conhecimento,
da Educação e até do entretenimento. Atualmente no Brasil vivemos uma espécie
de síntese histórica onde é possível enxergar o resultado do papel manipulador
da mídia alienadora das consciências, da imposição do pensamento, valores e
interesses das classes dominantes sobre as massas humanas das camadas das
classes trabalhadoras, que são a verdadeira força motriz que impulsiona a
produção da riqueza do país. Essa ação manipuladora das grandes mídias das
classes dominantes disputa espaços de influência no campo da Educação, na
construção de políticas públicas e no direcionamento dos financiamentos, dessa
forma, vem deformando processos educativos e implementando uma pedagogia
alienadora, focada no medo, na obediência, na competição, etc., tais forças têm
crescido aceleradamente e vêm se tornando hegemônicas mundialmente.
A
concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por
desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte
exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isso mesmo é
que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados,
inconclusos em e com uma realidade, que sendo histórica também, é
igualmente inacabada. Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são
apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a
consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma,
como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na
consciência que dela têm. Daí que seja a educação um quefazer permanente.
Permanentemente, na razão da inconclusão dos homens e do devenir na realidade
(FREIRE, 2014, p. 102).
Portanto,
atualmente a “Pedagogia do Oprimido”, depois de 50 anos de sua publicação, continua
atual e se faz necessária e fundamental, porque Educação é muito mais que garantir
boas notas em testes, como pretende os interesses das classes dominantes. O
fazer educativo é um processo vivo, orgânico, cotidiano de formação humana e socialização.
Paulo Freire conseguiu nesta obra integrar a filosofia da práxis à elaboração
de uma pedagogia libertadora, estética e sensível, pois que a democracia e a
prática da liberdade coletiva no fazer educativo é, antes de tudo, uma atitude
do corpo. Freire ao justificar a obra intenciona que as mãos das pessoas “[...]
se estendam menos em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se
vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas que trabalhem e transformem o mundo”
(p. 42).
A
obra é uma ferramenta madura para a transformação da Educação opressora e
bancária e para garantir a democracia como parte inerente da prática coletiva e
educativa, seja ela, escolar, formal, não-formal, popular, cultural ou
política. Todos esses atos coletivos devem ser permeados por processos
educativos e não propagandísticos e publicitários. A diferença libertadora se
dá na reflexão e ação sobre o mundo, a realidade, a História, sobre a superação
opressor-oprimidos e não processos de marketing e manipulação como temos visto
no processo eleitoral e comunicativo brasileiros. Isso mostra o quanto a nossa
democracia é incipiente e o quanto a “Pedagogia do Oprimido” se faz necessária
à Educação brasileira e dos países em desenvolvimento.
Referência
FREIRE, Paulo. Pedagogia
do Oprimido, 57. ed. Rev. e atual. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
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