Escola Projeto Âncora, Cotia, São Paulo. |
Jardim do Joá, Rio de Janeiro. |
Atividades na Floresta no Jardim do Joá. |
Jardim Flor do Mandacaru: em João Pessoa na Paraíba, famílias que se unem para garantir uma infância verdadeira e uma educação sensível. |
No início de 2017 cheguei a João Pessoa, na Paraíba, quando
uma iniciativa acabara de tomar corpo: Jardim Flor do Mandacaru, um grupo de pais, mães, e outras pessoas interessadas,
alguns mesmo sem ter filhos na escola, se uniram para iniciar uma escola Waldorf,
um jardim de educação infantil. Segundo um dos pais, eles escolheram essa
pedagogia porque sua filha de cinco anos havia frequentado uma escola em Recife
(Jardim Satori), ele disse que
também foi transformado pela escola da filha, justamente porque o fazer
educativo contava com a participação dos pais em mutirões, reuniões e eventos.
Aquela experiência o permitiu pensar sobre a educação que ele teve, questionar
alguns valores e costumes, transformá-los e ainda lhe deu suporte para viver,
na experiência, aquilo que ele realmente acredita, um mundo melhor, com menos
injustiças e confusões. Afirmou que gosta da pedagogia Waldorf[1]
porque ela permite que as crianças aprendam na experiência, que é a
forma que ele sente que teve os seus principais aprendizados, ele citou o yoga
como exemplo.
Há
também outra experiência em Rio de
Contas, uma cidade histórica na Chapada Diamantina, na Bahia: o Jardim de Contas. Uma escola concebida
por pais e mães que desejam criar a escola dos seus filhos para que eles tenham
uma infância verdadeira e um convívio escolar baseado na autonomia e
na curiosidade. Conversando com uma das gestoras da escola percebi que a
fundamentação do fazer educativo é a pedagogia Waldorf na educação
infantil e, ao projetar as séries seguintes, vê o estilo da Escola da Ponte
uma adequada base para desenvolver o aprendizado com autonomia e engajamento
comunitário. Ela afirmou que há pouco conheceu essa abordagem pedagógica e que havia participado de um curso à distância com os
educadores da Escola da Ponte.
Em junho de 2016 estive em Goiás, na Chapada dos Veadeiros visitei duas iniciativas. A primeira é a escola Vila Verde, em Alto Paraíso de Goiás, que existe desde 2010, durante esses seis anos passou por muitos altos e baixos e hoje tem um trabalho consolidado na comunidade, o que eu pude perceber numa visita em que fui recebida pelo Fernando, diretor e coordenador pedagógico e pude observar o cotidiano da escola e por toda a comunidade escolar na festa junina da escola, onde teve quadrilha e apresentação teatral das crianças, dentre outras atividades como: exibição de um filme (com a participação de alguns estudantes) e bazar com vendas para angariar recursos para a escola. Hoje em dia a escola funciona em uma casa alugada próxima ao centro da cidade, por isso ainda tem dificuldades financeiras, contudo, recentemente passou a ser apoiada por uma instituição budista que concedeu um terreno e a construção de um novo prédio para a escola, visitei o novo espaço que é amplo e com salas repletas de livros e cartazes sobre as atividades realizadas e os valores basilares da comunidade escolar.
O contato com a natureza é visível, tanto no prédio próximo à comunidade, que atende a educação infantil e o fundamental I, quanto no novo prédio já em funcionamento, atendendo o fundamental II, é possível perceber o movimento corporal e a interação entre as crianças de forma integrada, isso se dá tanto pelas características estéticas do espaço, mas também pela qualidade sensível com que se busca construir o conhecimento, ou seja, há uma intencionalidade consciente para desenvolver a prática educativa através do trabalho com projetos, pesquisas, campos artísticos, multimídia, etc. De acordo com o que observei a escola Vila Verde tem diversas influências pedagógicas, dentre elas destaco dispositivos semelhantes aos da Escola da Ponte, de Portugal, algumas características da escola Vila, de Fortaleza, Ceará, e também destaco práticas de permacultura, culinária, “técnicas” de resolução de conflitos e processos democráticos de tomada de decisões: assembleias coletivas.
Escola Vila Verde em Alto Paraíso de Goiás. |
Em junho de 2016 estive em Goiás, na Chapada dos Veadeiros visitei duas iniciativas. A primeira é a escola Vila Verde, em Alto Paraíso de Goiás, que existe desde 2010, durante esses seis anos passou por muitos altos e baixos e hoje tem um trabalho consolidado na comunidade, o que eu pude perceber numa visita em que fui recebida pelo Fernando, diretor e coordenador pedagógico e pude observar o cotidiano da escola e por toda a comunidade escolar na festa junina da escola, onde teve quadrilha e apresentação teatral das crianças, dentre outras atividades como: exibição de um filme (com a participação de alguns estudantes) e bazar com vendas para angariar recursos para a escola. Hoje em dia a escola funciona em uma casa alugada próxima ao centro da cidade, por isso ainda tem dificuldades financeiras, contudo, recentemente passou a ser apoiada por uma instituição budista que concedeu um terreno e a construção de um novo prédio para a escola, visitei o novo espaço que é amplo e com salas repletas de livros e cartazes sobre as atividades realizadas e os valores basilares da comunidade escolar.
O contato com a natureza é visível, tanto no prédio próximo à comunidade, que atende a educação infantil e o fundamental I, quanto no novo prédio já em funcionamento, atendendo o fundamental II, é possível perceber o movimento corporal e a interação entre as crianças de forma integrada, isso se dá tanto pelas características estéticas do espaço, mas também pela qualidade sensível com que se busca construir o conhecimento, ou seja, há uma intencionalidade consciente para desenvolver a prática educativa através do trabalho com projetos, pesquisas, campos artísticos, multimídia, etc. De acordo com o que observei a escola Vila Verde tem diversas influências pedagógicas, dentre elas destaco dispositivos semelhantes aos da Escola da Ponte, de Portugal, algumas características da escola Vila, de Fortaleza, Ceará, e também destaco práticas de permacultura, culinária, “técnicas” de resolução de conflitos e processos democráticos de tomada de decisões: assembleias coletivas.
Também em Goiás, visitei o Jardim Candombá, iniciativa de pessoas que trocaram a vida das grandes cidades para morar na natureza, na vila de São Jorge na Chapada dos Veadeiros. Por enquanto, o projeto funciona como atividades de contra turno, uma espécie de recreação, mas conforme observei é voltado para o livre brincar na natureza, também uma espécie de resistência pela verdadeira infância, com brincadeiras com os elementos e espaços naturais, com simplicidade e criatividade. O espaço fica num quintal espaçoso de uma casa, onde há chão batido, tanque de areia, parquinho para pendurar e escalar, balanço, uma casinha feita com técnicas de bioconstrução, várias árvores, bicicletas e motocas, etc.
O
espaço também foi concebido pela iniciativa de mães e pais que, preocupados com
as oportunidades disponíveis em Educação Infantil, resolveram construir com as
próprias mãos o lugar de socialização e aprendizagem infantil dos seus filhos.
A intenção é começar pequeno, primeiro como um projeto de “contra turno” (se a
criança vai à escola pela manhã, vai ao projeto à tarde) e, aos poucos, ir
criando condições para se tornar escola. É visível que esta iniciativa tem
influências da pedagogia Waldorf e também do estilo da Escola da Ponte.
Jardim Candombá, na Vila de São Jorge, em Alto Paraíso de Goiás.
O ambiente educacional deve ser ao mesmo tempo simples e oferecer diversas possibilidades. Simplicidade para preservar na criança a capacidade de imaginar, de brincar com a terra, o barro, a lama, a água, a folha, a pedra, o pau, etc., e equipado para dar vazão às habilidades, a tinta, a aquarela, o papel adequado, a cola, a semente, a linha, o tecido, a boneca de pano, a cozinha, os blocos coloridos de madeira, a horta, as pás, o regador, etc. O ambiente de educação infantil dever ser, sobretudo, um jardim e uma comunidade (e não caixas de concreto estéreis de sentidos, forradas de azulejo e tapetes de borracha), a criança precisa ter contato com as coisas reais, com elementos e ambientes naturais.
Nos primeiros anos de vida o ser humano aprende principalmente pela experiência e pelo exemplo, através da corporeidade, da ação corporal e das relações. A criança aprende muito mais o que nós adultos fazemos do que aquilo que dizemos. Quanto mais envolvente a atividade do adulto, mais interesse a criança tem em participar e aprender, para isso ser possível, é necessário que o educador esteja presente e fazendo algo que realmente acredita, por isso faz com amor e prazer.
Um espaço amplo e em contato com a natureza possibilita o movimento corporal natural da criança e, assim, permite o desenvolvimento da motricidade e das estruturas mentais que se formam nesse momento de desenvolvimento: as bases emocionais, intelectuais e espirituais. Mães, pais e educadores que investem nesse tipo de educação sabem da importância do contato com a natureza para o bom desenvolvimento humano, porque, provavelmente, tiveram contato com a natureza quando eram crianças, ou porque já despertaram para a importância dessas experiências no aprendizado dos seus filhos.
Jardim do Joá, São Conrado, Rio de Janeiro - RJ. |
Devo falar sobre minha própria experiência como
educadora no Jardim do Joá, no Rio de Janeiro, que também é uma
iniciativa de mães e pais preocupados com o tipo de educação que
iriam oferecer aos seus filhos. Essa iniciativa vai ganhando
experiência e força e se consolidando como espaço de Educação Infantil. Começou em
2013, já passou por três espaços, e em 2017 ocupa (aluga) o quarto espaço com
objetivo de oficializar a sua atividade educativa e assim poder ampliar suas
ações no sentido de ser uma comunidade de aprendizagem.
Um
princípio que essas escolas têm em comum é o respeito ao ser da
criança, ao que ela diz, aos seus sentimentos, ao tempo e ao espaço livres para
fruir e brincar, é preciso deixar a criança ser por ela mesma sem intervir
em todo momento no seu desenvolvimento e na construção da sua identidade.
Deixar a criança ter suas próprias experiências e expressar o seu ser, por isso
essas são iniciativas que utilizam a pedagogia também numa perspectiva estética
e sutil, o saber sensível.
Esse
trabalho exige do educador uma postura de observador atento, de escuta sensível, pois são
muito valiosos os momentos que as crianças estão envolvidas na brincadeira, sozinhas ou com outras crianças. Atividades de fruição, imaginação, criatividade, de
ação do corpo ou de contemplação, devem ser respeitadas e sempre haver tempo e
espaço para isso, devemos valorizar o tempo livre que as crianças têm para
brincar.
A postura de observador do educador se aproxima a alguns estados do artista: o deixar ser da inspiração, do improviso e da criatividade, a espontaneidade da curiosidade, o aprendiz que constrói o seu caminho de aprendizado. Essa capacidade do campo da criação e da percepção exige a reflexão sobre a essência da ideia de infância, da compreensão do que é o ser da criança que está em plena transformação em relação autopoiética[2] com o meio: constante construção e reconstrução de si na interação com o ambiente.
Essa
postura educacional afirma o direito das crianças à natureza e à verdadeira
infância e se posiciona contra as medidas quantitativas que não se interessam
pelos reais problemas da Educação e das escolas, aumentam a quantidade de
conteúdos e tempo de escolarização e diminuem os recreios, sem se debruçar
verdadeiramente diante dos problemas qualitativos das diversas realidades e
contextos escolares.
Para
chegarmos a um nível coletivo de autonomia e prosperidade devemos começar,
portanto, respeitando as crianças, ouvindo o que elas têm a dizer, baixar o
corpo para nos “elevarmos” ao nível do seu olhar e olhá-las nos olhos, a raiz
de uma educação para a autonomia é a sensibilidade e o respeito máximo,
permitindo que a criança seja o que é, sem incutir os nossos preconceitos,
medos, regras morais, etc. O educador sabe que aprende com as crianças tanto
quanto as ensina, portanto, sabe ouvir, observar, aprender. Isso lhe deixa
sensível para saber quando deve interferir ou não nas atividades das crianças,
resguardando o livre brincar e o contato com a natureza enquanto direito.
Escola Projeto Âncora, Cotia, São Paulo.
Há
ainda outra experiência educacional que me marcou nos últimos percursos dessas
viagens formativas: a escola Projeto Âncora, em Cotia, São Paulo. Como pesquisadora, em meu
mestrado, participei do cotidiano escolar, no qual as crianças e os educadores
fazem assembleias para tomar decisões coletivas, fazem diversos círculos de
diálogos para aprender, avaliar, discutir e refletir coletivamente sobre
diversos temas, o círculo é a forma predominante de interação, porém vários
outros arranjos fazem parte do aprendizado: trabalho com projetos e pesquisa,
acompanhamento com tutoria, ou seja, cada educando tem um educador tutor que
acompanha o percurso de aprendizagem do educando, aprende-se também no tempo
livre, entre as árvores, nas brincadeiras, nos grupos de responsabilidades, nos
quais as crianças participam do cuidado dos materiais da escola, da quadra, da
biblioteca e também no trabalho do refeitório, há um grupo de responsabilidade
contra o bulling, que trata desses
assuntos quando eles surgem no dia-a-dia, aprende-se nas diversas oficinas e
atividades que são oferecidas e que os estudantes se inscrevem de acordo com o
seus interesses. O Projeto Âncora também oferece um programa de imersão na
escola para educadores e grupos interessados em aprender sobre a prática
educativa do projeto: a Transformação Vivencial.
Acompanhei uma dessas experiências de Transformação Vivencial. Fui
voluntária por dois anos na escola João Pio, quando morei em Tiradentes, Minas Geras, nos anos de 2013 e 2014, passei
um ano visitando a escola Projeto Âncora quase todos os meses, pois foi meu
objeto de estudo no mestrado. Cada uma dessas instituições tem uma história e
características diferentes. A escola João Pio tem um processo repleto de
contradições entre os métodos tradicionais bancários e o novo estilo
libertador e voltado para a autonomia, porém, no final do ano de 2016 o grupo
de mães e pais se uniram e elaboraram uma carta para manifestar à nova
prefeitura que queriam a permanência do projeto na escola. Portanto, apesar das
contradições, propiciou um clima democrático à comunidade, pois as famílias passaram
a negociar com a prefeitura a respeito da escola, sendo sujeitos do processo.
Lamentavelmente, o projeto não resistiu às mudanças na gestão do poder público
e encerrou-se neste ano de 2017.
Escola Municipal João Pio, Tiradentes, Minas Gerais. |
Sabemos
que esses são processos difíceis, porque nem mesmo nós educadores tivemos uma
educação libertadora e, por isso, transformar o método bancário exige um
esforço maior, pois esse sentido de liberdade e de autonomia não está inscrito nos
nossos corpos, fomos educados num formato orientado pelo autoritarismo e pela
obediência, pelo egoísmo e individualismo, temos o desafio de desenvolver um
fazer pedagógico fundamentado na comunidade, na curiosidade, na criatividade, na
cidadania, no respeito e no amor. Somos talvez a geração da transição, da “trans-formação”,
ou, pelo menos, uma das gerações. Diante desse esforço necessário devemos não
nos “formar”, mas nos “trans-formar”.
O Projeto
Âncora é, atualmente, uma das minhas principais referências de uma educação
para o nosso século XXI, pois consegue ultrapassar o antagonismo e a hierarquia
professor-aluno, para estabelecer uma relação em que o educando participa da
gestão do tempo e do espaço em seu processo de aprendizagem. O percurso
educativo considera os sonhos, os desejos e as curiosidades dos estudantes,
o sistema de avaliação considera não só o aprendizado de conteúdos, mas também
as atitudes e atuação na coletividade. Isso se alinha com o entendimento do
que seja a práxis educativa[3]:
relações e ações para a autonomia, construtoras da História e do conhecimento,
uma Educação para o “ser mais”, para ser “sujeito da História”, o rompimento
com a educação “bancária” (que atua como se depositasse conhecimento na cabeça
dos alunos).
Diante
dessas lembranças e relatos sobre as iniciativas educacionais que eu venho
conhecendo, percebi alguns princípios
dessas experiências, como, por exemplo: contato com a natureza e com a
verdadeira infância, livre brincar, saber da experiência, participação da
família e da comunidade, questionamento crítico da educação tradicional
bancária.
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