Friday, October 13, 2017

Às mães e aos pais das crianças


É uma honra e um profundo aprendizado estar com essas crianças. Crianças tão pequenas capazes de relações tão profundas, as quais começam de um grão de areia, ou seja, de uma simples abertura que a criança dá. Pode até mesmo começar da recusa desta abertura, não há regra, é puro sentir verdadeiro.

O primeiro contato até o momento em que a criança aceita um olhar, gesto, proposta, palavra ou mesmo uma ajuda, até o primeiro sorriso, a primeira gargalhada, o abraço, o acolhimento, as mãos dadas, o compromisso, até que se faz vínculo, relação, confiança, curiosidade, criatividade, amor, segurança. Respeitar esse tempo e o modo de ser de cada um é dar espaço para a criança ser, a escuta sensível e atenciosa, o respeito máximo que pauta o nosso agir ao buscarmos nos relacionar com as crianças, um princípio da relação humana saudável.

Tudo isso é condição para o aprendizado e para a construção do conhecimento, o ambiente e as relações dão sustentação para os saberes sensíveis e intelectuais. Tais “etapas” da relação educador-educando são também categorias constituidoras de uma educação integral, ou seja, o entendimento que os aprendizados se dão no contexto das relações sociais e das interações com o ambiente não apenas nas perspectivas racional, cognitiva e intelectual, mas também numa abrangência sensível, sutil, emocional, espiritual, o ser em sua completude tanto da profundidade do indivíduo quanto na diversidade da coletividade.

Trabalhar as relações para o entendimento que somos um com os outros, o valor de sermos um coletivo com a sociedade e com a natureza, exige, antes de tudo, uma atitude corporal. O nosso próprio corpo nos mostra como somos seres sociais, cheio de necessidades de afetos, o ser humano é criador, criativo e essa capacidade se dá na relação interpessoal, bem como nas interações intersociais.

São essas relações que permitem a criação e recriação da cultura, contexto onde se dá a Educação, uma vez que esta é também, necessariamente um fenômeno social e político. A corporeidade, os gestos, os sentidos, os significados, são aspectos estéticos que expressam nossa ação no mundo, portanto, são também os nossos atos o fundamento de nosso fazer educativo. Uma educação democrática, portanto, só pode se dar mediante a consciência que a verdadeira liberdade é a liberdade coletiva e a verdadeira autonomia é a autonomia coletiva.

Assim, só poderemos realmente construir um projeto educacional transformador com toda a sociedade envolvida no propósito de construir uma educação que possa um dia ultrapassar os nossos muros e de alguma forma influenciar e atingir a Educação do nosso país como um todo, no sentido de que o amor, o total acolhimento, o brincar, o contato com a natureza, o aprendizado, o respeito máximo sejam direitos garantidos a todas as crianças.

Para isso ser possível é necessário que todos os envolvidos estejam conscientes e acreditem nesse propósito. O papel da comunidade escolar, dos profissionais da escola e das famílias dos educandos é fundamental nessa construção de uma Educação situada no mundo, posicionada e com um compromisso com as pessoas e com a natureza. Essa consciência e ação é também o melhor exemplo que podemos dar às crianças, ninguém precisa ser “perfeito”, mas quem age pelo cuidado, pelo compromisso e pelo amor será sempre alvo de admiração, beleza e transformação.

Monday, October 09, 2017

Complexidades entre "o bem e o mal" e entre "o bom e o mau"

Ouvi que o mundo estava ruim, eu não quis aceitar, preciso viver e sorrir mesmo assim, para que não percamos o sentido da vida, que é justamente nossa ação consciente de dar sentido à vida, este é o sentido, viver para dar sentido, porque o sentido da vida é uma busca eterna, na qual cuidamos dela, a vida.

Preciso admitir que, realmente, às vezes, o mundo está ruim, mas observei que tenho um ímpeto de querer aprender e conhecer sobre as coisas querendo enquadrá-las no “bom ou mau” ou “bem e mal”. Procuro me desvencilhar um pouco desse maniqueísmo para ver se consigo enxergar e sentir as coisas com menos peso. Precisamos escrever a História de hoje para que os manipuladores do futuro, os neoliberais, não nos roubem os conceitos, os pensamentos. Precisamos escrever essa história, munidos da verdadeira História que já foi escrita, articulando com as ações reais do nosso presente.

Às vezes achamos que não há no mundo transformação ou “evolução humana”, parte dessa sensação é porque estamos longe das pessoas que estão, de fato, fazendo algo transformador no mundo, seja num âmbito amplo, instituições e movimentos sociais ou mesmo em ações de produção intelectual, no âmbito das pesquisas e dos estudos, na Educação em geral. No entanto, devemos abandonar essa postura dogmática da luta do bem contra o mal, são lutas de interesses na complexidade das relações humanas.

Nossa sociedade é formada por uma luta muito mais complexa do que “bem e mal”, são comprometimentos humanos, progressistas, comunitários, ecológicos, que constroem a contra-hegemonia hoje continuando a construção contra-hegemônica histórica, um conjunto de pessoas, nem sempre conectadas, criando produções no sentido de viabilizar uma nova cultura transformadora e anticapitalista. Precisamos entender, escrever e evidenciar os engendramentos das forças sociais produtivas contra-hegemônicas, para saber como agir para construir a contra-hegemonia e também compreender a hegemonia do capital, seu bloco histórico, suas perspectivas estruturais, superestruturais, sensíveis, estratégicas, seus movimentos, ações e conexões.

Devemos pensar em transformação social e não em “bem e mal”, isso é um padrão de pensamento manipulador que distorce a percepção da realidade e direciona a compreensão para uma perspectiva simplista ou passional do fenômeno. Sabemos que a sobrevivência da maioria de nós seres humanos está atrelada ao modo de produção capitalista, imperialista, portanto, nossas ações devem ser anticapitalistas, sem dúvidas, mas respeitando o trabalho das pessoas, as necessidades humanas, sem perder de vista a complexidade das relações humanas no contexto do capitalismo, os conflitos de interesses da classe trabalhadora, com as classes proprietárias dos meios de produção, as grandes corporações, os oligopólios, a indústria da guerra, do veneno, o mercado global anti-vida.

Devemos praticar a consciência, sobretudo, a coletiva. Ter consciência do papel e do lugar de cada “coisa” no sistema capitalista e na sociedade de classes e transformar aquilo que for possível, aqui e agora. A consciência é o primeiro passo, pois nem sempre vamos conseguir ser coerentes em nossas ações, nossos hábitos cotidianos, porém, o exercício da consciência será sempre o ponto de partida para nos situar e orientar o nosso agir no mundo. 

Concentração no momento presente, na respiração, na consciência individual conectada com a consciência coletiva, percepção social, consciência de classe (compreensão do contexto social, no capitalismo e na sociedade de classes), é uma prática que exige conhecimento histórico, é uma organização econômica construída historicamente, a qual, contudo, não é estática e nem tão pouco deve ser naturalizada, mas deve ser confrontada dialeticamente, dialogicamente, na consciência construtora do diálogo coletivo, dos espaços de construção coletiva da realidade, na real democracia.